pinacoteca
o vai-e-vem de um longo processo
Em 2021, comecei a pensar qual seria o próximo edifício que desenharia. Eu havia feito nos anos anteriores uma sequência que começou despretensiosa e mais espaçada, primeiro com a Escola da Cidade, anos depois a Fau e o Masp, e que depois incluiu de uma só vez o CCSP, CEU Inácio Monteiro, Sesc Pompéia e 24 de Maio, estes últimos para integrar a exposição Access for All (mostra sobre edifícios públicos de São Paulo que aconteceu no Museu de Arquitetura da Universidade de Munique em 2019), então senti que era hora de ampliar a coleção com mais um, de preferência um prédio público que não fosse moderno e com o qual as pessoas se identificassem de modo geral, não apenas arquitetos. Fiquei dividido entre a estação da Luz e a pinacoteca, e foi deste último que consegui o material necessário primeiro. Cheguei a fazer um primeiro croquis mas não fiquei de todo convencido e o projeto acabou indo descansar na gaveta, algo que não é incomum na minha dinâmica de trabalho.
Foi só em 2023 que voltei à prancheta, a convite do IAB, para fazer um desenho em comemoração dos 80 anos da sede do instituto dos arquitetos de São Paulo. Esta retomada me animou para procurar em 2024 o arquiteto Pedro Mendes da Rocha, que me recebeu para conversar (na verdade ele me deu uma aula) sobre o Museu da Língua Portuguesa e a estação da Luz. Eu queria entender melhor o projeto e também pedir o material de base para fazer um desenho da estação, que àquela altura estava me chamando mais que a pinacoteca. Novamente vez os planos mudaram e acabei desenhando a nova unidade do Sesc Franca, e na sequência o Quarteirão da Educação, em Diadema. Quando finalmente pude retomar os estudos para o novo desenho, este ano, era na pinacoteca que estava pensando uma vez mais, com a diferença de trazer comigo a bagagem dos 3 novos desenhos feitos neste meio tempo, e com eles a certeza de que eu devia incluir o entorno, ou seja, a estação da Luz, à cena. Fiz mais um estudo, ampliando o campo de visão da imagem para incluí-la e, e depois mais outros, gradualmente aumentando a complexidade e incorporando mais elementos.

Conforme me aprofundava na compreensão do projeto, percebi que muitas das qualidades que me agradavam no edifício eram resultado da mistura improvável entre a massa de tijolos envelhecidos do edifício original com a intervenção posterior (Paulo Mendes da Rocha, Eduardo Colonelli e Welinton Torres, 1993), que adaptou a construção do final do século XIX (projeto do arquiteto Ramos de Azevedo) para receber a pinacoteca do Estado, em 1998. As passarelas metálicas, os elevadores e a cobertura de domus com vidro sobre os pátios vieram nesta reforma, alterando também a entrada do prédio que ficara estrangulada pelas alterações de traçado da avenida Tiradentes para a rua Mauá, como a conhecemos hoje, invertendo o eixo de circulação do prédio. Tive que pensar um pouco sobre a orientação que o desenho deveria ter, se daria destaque à fachada com a qual estamos mais familiarizados, da entrada atual, ou à grande fachada da avenida, e com isso o que mais poderia ser visto na mesma cena, a pina contemporânea no primeiro caso, ou a estação da Luz no segundo. O que selou a discussão foi o corte: se não olhássemos pela avenida, não veríamos com clareza os pátios e as passarelas, o que seria difícil de justificar.
Quando ‘corto’ ou desmonto um edifício, tenho como intenção revelar qualidades que não sejam necessariamente óbvias, tentando articular numa única imagem os elementos construtivos que permitem que o prédio pare em pé, sua inserção e relação com a cidade e os usos que as pessoas fazem dele. Alguns projetos possuem gestos mais evidentes, como o Masp, por exemplo, cujas enormes vigas são a própria manifestação do esforço estrutural necessário para liberar o vão sob o museu, criando um enorme espaço livre e desimpedido. Neste caso, tudo o que tenho que fazer é representar o que já está escancarado. Com a pinacoteca não é bem assim: o prédio de tijolos foi pensado na escala da alvenaria, com paredes maciças e aberturas pequenas, assoalho e vigas de madeira (quem nunca notou o ranger constante das salas de exposição?), muito estuque e telhado de barro. É um projeto compartimentado e não há grandes vãos livres, o que significa que o desenho acaba ‘entulhado’ pelo excesso de paredes e pilares sobrepostos que impedem que a perspectiva mostre o chão e as atividades na maior parte do tempo, como um labirinto.
O desafio era representar estes ambientes que são essencialmente ‘paredes para receber quadros’, sem algumas destas paredes, para que víssemos também os corredores e espaços de circulação que de outra maneira seriam escondidos pelas múltiplas camadas de alvenaria. Outra questão foi o nível de detalhamento do material para consulta disponível: contava basicamente com as plantas dos três níveis e apenas dois cortes, ambos passando pelo octógono. Todo o resto tive que deduzir a partir do que consegui fotografar numa visita ou ver no google street view. Muitos ambientes não têm acesso ao público e não consegui informações sobre instalações e infraestrutura de forma geral. O mesmo posso dizer a respeito do traçado da linha azul do metrô, que vem da zona norte pela avenida Tiradentes e faz um longo mergulho da estação Armênia para passar por baixo dos trilhos da CPTM (que já estão numa cota mais baixa que a avenida), seguindo em direção ao centro histórico. A seção exata do túnel e suas dimensões também foram representados com certa liberdade.
No mais, minha intenção era trazer o charme e a riqueza de texturas que o prédio tem, sempre sob uma lente mais lúdica e divertida, mostrando também que todo museu é de alguma maneira uma casca e é o que há no seu interior que o torna interessante. Por conta disso, foi inevitável me debruçar um pouco sobre os quadros em si, que inicialmente seriam apenas insinuados e pintados de uma mesma cor mas que, conforme o desenho foi sendo colorido, pediram para ser representados em mais detalhes, o que acrescentou muita vida e de alguma maneira pareceu justificar a presença dos visitantes circulando por ali. Olhando com atenção é possível identificar algumas das obras do acervo, outras foram ‘emprestadas’ de outros museus e outras tantas inventadas, afinal, é só um desenho.
Algumas informações técnicas, para quem tiver curiosidade: o desenho original tem 165 x 100 cm, feito à lápis no papel manteiga entre 29 de julho e 28 de agosto de 2025. Quando comecei a colorir ele no photoshop, ajustei um pouco as proporções para 153 x 102 cm, cortando uma pontinha do lado esquerdo que considerei ter ficado um pouco estranha e adicionando dois centímetros na parte de cima. Tirei quase 600 fotos do processo, com as quais estou fazendo um videozinho. Ah, e também estou imprimindo posters da pinacoteca! Eles terão 75 x 50 cm, mesmo papel e qualidade dos outros desenhos (masp, pompéia, etc) que estarão disponíveis em breve.
Uma última nota que gostaria de fazer, que talvez devesse ter aberto este texto, é a estranha relação de proximidade que tenho com este edifício pelo fato de meu avô paterno, Renato Zamboni, ter feito o curso de artes do liceu nos anos 1930, neste edifício. Estranha porque não cheguei a conhecê-lo, foi sempre uma figura de mitos e lendas, lembro do meu pai contando esta história quando nos levou à pinacoteca pela primeira vez, logo depois da revitalização, no finzinho do século XX.









sempre muito feliz com esse espaço, porque ainda posso ver seu rascunhos!! (a parte mais legal) 💕💕 lindo projeto!